Viagem ao Centro da Terra.
Foi no dia 24 de maio de 1863 que a aventura do professor de mineralogia Lidenbrock e de seu sobrinho Áxel teve início na cidade de Hamburgo, Alemanha. Após decifrar a mensagem criptografada de um velho manuscrito rúnico, eles partiram para uma viagem ao centro da Terra, que começaria – conforme as instruções do misterioso Arne Saknussemm – na cratera de um vulcão, o Sneffels, na... Islândia!
Exatos 147 anos depois, os leitores de Julio Verne devem ter se lembrado de Viagem ao Centro da Terra ao acompanhar o noticiário sobre como a erupção de um vulcão na Islândia e sua imensa nuvem de cinzas, que paralisou o espaço aéreo na Europa, provocou prejuízos gigantescos e reacendeu discussões sobre unidade e diversidade nas ações dos países europeus. A erupção também chamou a atenção para o nosso total desconhecimento sobre a Islândia, país-ilha, transformada no romance de Verne em um “vasto museu de História Natural”.
Conforme Michel Serres, em Júlio Verne: a ciência e o homem contemporâneo. Diálogos com Jean-Paul Dekiss (Bertrand Brasil, 2007), os livros de viagens extraordinárias de Verne constituíam um projeto iluminista, enciclopédico e pedagógico, em que as aventuras e as experiências se davam sobre o mapa do globo terrestre. Ao participar destas aventuras, nos tornamos, nas palavras de Serres, cidadãos do mundo e do universo dos conhecimentos e de suas maravilhas. E nada mais efetivo para encantar os jovens do que um herói que viaja e explora o planeta em incursões extraordinárias, de submarino ou balão, repletas de peripécias, desafios e descobertas.
Ao final de Viagem ao Centro da Terra, Áxel, o narrador, escreve: “Eis o fim de uma narração à qual não darão crédito as pessoas que não costumam surpreender-se com coisa alguma. Mas estou armado por antecipação contra a incredulidade humana”. O sobrinho se referia à volta da viagem que os levou a explorar a história geológica do planeta, quando foram impulsionados em sua jangada por uma erupção que os arremessou à boca do... Stromboli. “Tenho idéia confusa de detonações contínuas, de agitação do maciço e de movimento giratório em que foi envolvida a jangada, que ondulou sobre vagas em lava, em meio a chuvas de cinzas e chamas estrepitosas. Parecia que gigantesco ventilador atirava os fogos subterrâneos”, escreveu Áxel (conforma a edição da Mattos Peixoto, 1965, tradução de José Alberto Fomm Damásio).
Na casa de Fridiksson, na Islândia, onde Lidenbrock e Áxel se hospedaram antes de iniciar a aventura, o professor ficou impressionado com a biblioteca do anfitrião e este lhe explicou: “Tem-se gosto pelo estudo em nossa velha ilha de gelo. Não há um rendeiro, um pescador que não saiba ler e que não o faça. Achamos que os livros, em vez de mofarem nas estantes, longe de olhares ávidos, estão destinados a ser usados sob os olhos dos leitores. Esses volumes passam de mão em mão, folheados, lidos e relidos, e muitas vezes não voltam à prateleira senão após um ou dois anos de ausência...”
Viagem ao Centro da Terra, publicado em 1864, encantou gerações de leitores que viajaram e viram sua experiência e fronteiras se alargarem através de suas páginas. As aventuras de Verne eram passaportes para conhecer e compreender o globo. A erupção do Eyjafjallajokull nos remeteu de volta a este mundo maravilhoso (no sentido iluminista) e persistentemente desconhecido dos vulcões da Islândia. Mas, com Serres, cabe perguntar: quem seria hoje o nosso Julio Verne? E, talvez, acrescentar: e quem seriam os atuais “olhos dos leitores” que impediriam os livros de “mofarem nas estantes”?

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